15 julho 2010

Um olhar sobre a Regionalização (II)

Concretamente em que termos se apresenta a Regionalização que a Constituição nos propõe? Suponho que a resposta mais conveniente se encontra na Lei-Quadro das Regiões, a lei 56/91, embora já tenha quase 20 anos e já tenha sido "ultrapassada" pela Constituição, pois em 1991 não existia a imposição do referendo nacional.

A leitura da lei é pouco esclarecedora. Pode compreender-se que tenha sido redigida em termos gerais e consequentemente vagos, mas os portugueses têm o direito de saber exactamente e antecipadamente aquilo que o pacote contém, e nesse sentido esta lei é manifestamente insuficiente.

Tomemos o importante capítulo das ATRIBUIÇÕES. O art. 17 descreve os vários domínios em que as Regiões terão atribuições, enumerados da maneira mais suscinta possível. Alguém porventura conseguirá definir com a necessária precisão o âmbito das atribuições e respectivos limites, quando o diploma se limita a enunciar "Turismo" ou "Desenvolvimento Económico e Social", por exemplo, como domínios de atribuição regional? Conclusão: continuamos na ignorância, a lei fala mas não esclarece nada. Mas acredito que ainda poderá haver uma situação pior. É que me parece que a Constituição, no art. 257, limita drasticamente as atribuições listadas na Lei-Quadro. Mas há mais. O art. 258 é ainda mais vago quando diz simplesmente que "as regiões administrativas elaboram planos regionais". Tudo isto tem a aparência de uma deliberada menorização do alcance prático da Regionalização, que só surpreenderá os ingénuos.

A questão das COMPETÊNCIAS das Juntas Regionais(art.31) é um arrazoado informe muito baseado na ideia dos "Planos de desenvolvimento regional", mais uma vez um conceito muito vago (propositadamente?) onde cabe tudo o que se quiser.

O art. 35 regulamenta o modo como deverão ser estruturados os Planos de Actividade das Regiões que se supõe deverem ser apresentados ao governo central (para aprovação?). A minúcia exigida vai muito além duma normal verificação, pelo governo, das actividades da Região. Representa burocracia, desconfiança e tiques centralistas-colonialistas ao mais alto grau. Consequência: engorda a quantidade de funcionários dos dois lados, até parecendo de propósito para dar razão aqueles que alegam que as Regiões farão aumentar a despesa pública.

Com que recursos financeiros contarão as Regiões? Através do art. 38-Receitas- ficamos a saber que as Regiões dispõem de uma série irrisória de fontes que correspondem a peanuts, e de uma "participação no produto das receitas fiscais do Estado", a fixar (claro...) pelo próprio Estado. Quer dizer, tudo aponta para que continuem a existir "filhos e enteados" e o Estado, porque tem a chave do cofre, poderá continuar a condicionar os eleitos locais e as respectivas populações.

Três notas finais. Uma referente ao art. 6 que diz que as deliberações dos orgãos das Regiões podem ser suspensas, modificadas, revogadas ou anuladas. Acrescenta que será na forma prevista na lei. Ignoro a lei, mas fico muito desconfiado... Outra refere-se ao art. 10, que esclarece que continuarão a existir Governadores Civis, agora com o apelido Regional. Já cá faltava o representante da chamada autoridade! Finalmente, o art. 33 reza que será o governo a regulamentar a matéria relativa à organização dos serviços e do pessoal. Considero isto inaceitável. É uma imposição bem ao estilo Estado Novo, quando o ministério das Colónias decretava autoritariamente como é que os serviços iriam funcionar em cada uma das colónias. Já sabíamos que na chamada Província vivem os colonizados, e que Lisboa é a potência colonizadora, mas tinha a ilusão que uma das finalidades da Regionalização era precisamente acabar com esta aberração. A lei 56/91 diz que me enganei.

(CONTINUA)

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